17.7.09

Aula de História

Ana Cristina Rodrigues, historiadora, escritora e fomentadora cultural da literatura fantástica nacional, deu uma verdadeira aula sobre o que chamou - com razão - de "novo hype da Ficção Especulativa brasileira", no caso o gênero abordado nesta casa, o Steampunk. No blog Ficção Científica e Afins, que vem a ser uma versão Wordpress da maior comunidade em português de FC, da qual ela é a atual dona e há tempos moderadora, Ana destrinchou o contexto por trás desta "novidade", que já tem um quarto de século se considerarmos apenas sua vertente mais bem acabada, apontou várias obras em diferentes mídias que seguem o estilo steamer e relacionou tudo com a realidade do Brasil.

Vou selecionar abaixo alguns trechos, mas recomendo enfaticamente uma lida na versão integral naquele blog.


Steampunk é um estilo dentro da Ficção Especulativa em que se reproduz uma Era Vitoriana ucrônica, com avanços tecnológicos baseados no vapor. E vejam bem. A ênfase não é exatamente no Vapor – ou um conto sobre a minha chaleira seria steampunk – mas principalmente no ambiente que envolvia a Londres da segunda metade do século XIX.

Agora, qual o interesse em reviver essa época da história britânica?(Sim, bonitinho, Era Vitoriana foi só nos domínios ingleses…)

A Era Vitoriana compreendeu os anos do longo reinado da rainha Vitória, que governou o Reino Unido entre 1837 e 1901. Até hoje, desperta saudades nos britânicos por ter sido um período de prosperidade – para uma camada populacional bem definida, uma classe média urbana e mercantil que ascendia socialmente – e de grande pujança para o Império Britânico, sobre o qual o Sol nunca se punha. (Ok, a frase original é sobre o Império Espanhol do século XVI, mas está valendo aqui também).

Literariamente, tínhamos dos cínicos cronistas do mundo enfumaçado como Dickens aos românticos crônicos como Tennyson. De um lado, a dura vida cotidiana de órfãos, do outro, a Idade Média adoçada, fundada por Walter Scott, uma época fundadora onde teria nascido o sentimento da nação no meio de justas, torneios e belas donzelas amorosas. E claro, a literatura aventurosa, como a de Robert Louis Stevenson, de piratas e tesouros, ou de H. R. Haggard e Rudyard Kipling, em que as estranhas terras dos domínios britânicos serviam de palco para a aventura de um grande herói.

Porque essa foi também a época das grandes explorações geográficas e dos aventureiros. A Oceania, a África, a Ásia e a América – abaixo do Rio Grande, pelo menos – eram os quintais dos corajosos britânicos, impelidos pelo ímpeto da necessidade de se conhecer o Mundo como um Todo, eliminando as incomodas ‘terras incognitas‘ que ainda apareciam nos mapas. A Sociedade Real de Geografia divulgava alvoroçada os descobrimentos e as novidades em seus boletins, ricamente ilustrados com gravuras de lugares exóticos e mapas o mais precisos que fosse possível. Florestas eram desbravadas, nascentes foram encontradas, tribos foram pacificadas (algumas nem tanto). Souvenirs eram trazidos: cocares, flechas, potes, pigmeus e cabeças tatuadas de maoris.

(Sério. Até uns anos atrás, o Museu da Quinta da Boa Vista tinha duas em exibição. Não estavam mais expostas na última vez que eu fui lá, mas fuçando na internet descobri que o governo da Nova Zelândia vem pedindo desde 2003 aos museus do mundo o repatriamento dessas lembranças macabras. Alguns atenderam, a França não quis abrir precedentes e a cabeça da foto estava em exibição na Bélgica em 2008)

A ciência floresceu. Darwin escrevia sobre bicos de passarinhos ‘galapaguenses’. Faraday quebrava a cabeça tentando entender o magnetismo. E um tal de Charles Babbage começou a pensar em como seria uma máquina que pensasse.

Obviamente, nem tudo eram flores. Havia miséria – a emigração massiva de irlandeses para os Estados Unidos começou por essa época, guerras e conflitos armados grassavam nos domínios. Londres era uma cidade suja e perigosa. Afinal, Jack The Ripper é tão fruto dessa época quando o Dr. Livingstone (...)

(...)A gente realmente tinha pouco a ver com isso. Poucas obras do gênero foram traduzidas no Brasil – aliás, acho que só se você considerar o livro do Powers [Os portais de Anubis] como steampunk. Talvez parte da trilogia de Phillip Pullmann. Nos quadrinhos, tivemos a Liga de Alan Moore. No RPG, Castelo Falkenstein. Nos cinemas, a coisa foi melhor: os blockbusters chegaram todos aqui – até mesmo As loucas aventuras de James West, infelizmente.

Agora, é de se admirar que um país que nos deu o Barão de Mauá, Augusto Zaluar, D. Pedro II, Santos Dummont… não tenha produzido obras a vapor suficientemente interessantes. Poxa, nosso imperador provavelmente foi o governante mais steampunk de sua época. Seu interesse por gadgets, ciências e novidades era/é notório.

Até esse ano, aconteceram algumas tateadas. Gerson Lodi-Ribeiro, Carlos Orsi Martinho e Octavio Aragão tangenciaram o gênero – os dois primeiros em contos, o último em seu romance, A mão que cria. Mas talvez a primeira obra consciente e declaradamente steampunk do Brasil sejam os quadrinhos de Expresso! de Alexandre Lancaster. O piloto da série foi publicado em um projeto online de curta duração, mas a saga continua, já que novas HQ’s estão previstas e um conto sobre o protagonista vai entrar na primeira coletânea nacional do gênero.

A Tarja Editorial convocou alguns autores – uns experientes, outros novatos – para escrever histórias no mundo do vapor. Dessas, eu li em primeira mão três. Se as demais seguirem a qualidade destas, o livro promete. O lançamento de Steampunk – Histórias de um passado extraordinário será na Fantasticon, dias 25 e 26 de julho.

Agora, é esperar para ver se continuamos na onda do vapor – ou se escolheremos um novo hype literário.

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